terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O PLANASA - UM CASO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL EM SANEAMENTO AMBIENTAL III


Uma Análise Introdutória

 
Sem considerar aspectos de natureza política ou até, ideológica, que participam na formação do contexto dos serviços públicos em geral, e, em especial do saneamento básico, muitas são as causas que os especialistas apontam como responsáveis pelo panorama e situação precária em que se encontra este setor. Cinco podem ser identificadas como sendo as principais:

     I.        A carência de recursos financeiros

    II.        A carência de recursos humanos qualificados

  III.        Carências no campo da tecnologia apropriada

  IV.        Ordenamento legal, institucional, deficiente

   V.        Problemas de governança e gestão

Na realidade e em nossa opinião, essa relação de causas pode, em última análise, resumir-se nas duas últimas, uma vez que seriam precisamente essas variáveis as que podem ser consideradas como determinantes para a formação da problemática vinculada à prestação dos serviços de saneamento.

Entende-se que todo e qualquer esforço para a solução das carências indicadas como causas dos problemas do setor passa, necessariamente, pela organização do estado e suas instituições, cumprindo, cada nível de governo, seu papel devidamente caraterizado e com toda eficiência.

De acordo com a opinião de entidades nacionais e internacionais de crédito, não se trata apenas da falta de recursos financeiros para a aplicação nos investimentos necessários nos setores de meio ambiente, saúde e saneamento. O problema é de outra ordem. O problema maior reside na constatação de que, sem dúvida, existe uma evidente perda e desvio de recursos e de dinheiro público, devido a problemas provocados, principalmente, pela má gestão operacional e administrativa.

A esse respeito se sabe, por exemplo, que a perda de água tratada para o consumo humano é enorme, alcançando nos países da região e no Brasil o 40% da agua produzida, podendo chegar até 70 %, em alguns casos.

Esses dados representam uma perda gigantesca não apenas do elemento água (o que já seria uma tragédia considerando a situação crítica que existe no momento em algumas regiões), mas econômica, se consideramos o valor monetário das perdas em questão o que, ao final das contas, afeta a situação financeira das entidades responsáveis pela prestação dos serviços.

Isso, naturalmente, traz uma série de consequências, entre outras, limitações na capacidade de investimento em novas instalações e melhorias nos serviços e, o pior, aumentos de tarifas, sem uma justificação racional e técnica.

A experiência acumulada até o momento indica que, sem instituições fortes, principalmente no que se refere ao exercício eficiente das funções de planejamento, operação, manutenção, financeiras, de comercialização e de apoio administrativo, dificilmente terão as condições propícias, necessárias para garantir o cumprimento dos objetivos e metas de universalização dos serviços de forma sustentada, conforme indicadores operacionais, de desempenho e de qualidade dos serviços, internacionalmente aceitos.

 

O Programa “Aliança para o Progresso”

 

Nos anos 60, com o advento do programa Aliança para o Progresso, lançado pelos USA, durante a administração Kennedy, para levar adiante um plano de investimento de longo alcance para os países de América Latina e o Caribe, o enfoque e a forma das ações e soluções que, até aquele momento, vinham sendo dadas e aplicadas ao problema de saneamento, foram totalmente redesenhadas e reorientadas, notadamente, do ponto de vista institucional.

Com efeito, naquela época, a prestação dos serviços de água e esgoto na maioria dos países era responsabilidade de secretarias e outras dependências da esfera central de governo e ainda, de âmbito municipal, contando basicamente com recursos públicos além de esquemas tarifários ou impositivos.

Para a realização dos investimentos necessários para a expansão da cobertura dos serviços, se contava, ainda, com recursos obtidos junto a organismos internacionais de crédito e agencias de promoção de desenvolvimento, tais como o Ponto IV, AID e outros.

Ainda, neste contexto, a iniciativa privada tinha uma tímida presença como concessionária dos serviços de saneamento de algumas cidades importantes, principalmente, capitais.

Os limitados resultados que se vinham obtendo nos esforços para solucionar o problema de saneamento nos países da Região, davam uma clara demonstração da precariedade do modelo utilizado e, principalmente, da fraqueza da estratégia aplicada já que, sem sombra de dúvida, com o caminho traçado, a demora para alcançar índices de cobertura dos serviços, equivalentes aos padrões internacionalmente aceitos, ultrapassavam qualquer capacidade de previsão e de planejamento.

De tal forma que, contando com os recursos provenientes do Programa Aliança para o Progresso, a estratégia utilizada para a aplicação dos investimentos e o próprio arcabouço institucional, mudou radicalmente.

 

As caraterísticas mais importantes do novo modelo foram:

Ø  A criação de uma instituição central, com autonomia técnica, administrativa e financeira, que seria a única responsável pela implementação de planos, programas e projetos e que seria capaz, entre outros aspectos, de assumir compromissos financeiros perante os órgãos nacionais e internacionais de crédito.

Ø   A transferência de toda a atribuição legal para a exploração dos serviços para essa instituição.

Ø  A criação de um fundo rotativo, como mecanismo de caráter permanente para o financiamento dos investimentos em saneamento básico.

 

O Plano Nacional de Saneamento – PLANAS

 

O PLANASA foi, sem dúvida e, em nossa opinião, a maior e a melhor experiência realizada no mundo, na época (1970-1980), em matéria de desenvolvimento institucional no campo do saneamento básico.

“O censo de 1970, informava que apenas 26,7 milhões de brasileiros, ou 50,4% da população urbana, eram abastecidos com água potável e 10,1 milhões ou 20% servidos pela rede de esgotos.     Quinze anos depois - em 1985 - a Pesquisa Nacional de Domicílios   do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia   e Estatística - assinalava que 82,8 milhões de brasileiros ou 87% da população urbana eram abastecidos com água potável.     O PLANASA, nesse período, havia conseguido acrescentar à população abastecida, 56 milhões de pessoas - contingente maior que a população da França”.[i]

Infelizmente e a partir de então, a inflação e as persistentes crises econômicas mundiais que afetaram, com maior rigor, os países em desenvolvimento, quebraram a espinha dorsal de toda a estrutura funcional e de organização dos serviços públicos que, com muito esforço, vinha sendo montada. Avanços significativos no campo das comunicações, energia, saneamento e outros, perderam impulso, ficaram estagnados e apresentaram resultados insignificantes.

Com a implementação, nos últimos anos, de novos modelos de desenvolvimento dos países, com a revisão do papel do estado, a liberação da economia e a promoção e incentivo da participação da iniciativa privada em campos, anteriormente, exclusivos do poder público, o setor de infraestrutura, o saneamento inclusive, tem encontrado outras alternativas para dar sequência aos esforços para enfrentar e superar as dificuldades e problemas e, dessa forma, encontrar definitiva solução a suas grandes carências.

Esse é o cenário que, entre outras consequências, traz consigo novos problemas e desafios a vencer.

Na sequência, apresentaremos e comentaremos as características essenciais do macro modelo financeiro e institucional do PLANASA, assim como do instrumental utilizado para a sua execução, e as instituições nacionais e internacionais participantes.

 

 

 

 

 




[i]  Trabalho apresentado, no Seminário sobre Inovação e Desenvolvimento de Empresas de água Potável, realizado pelo Banco Mundial, em S. Jose da Costa Rica, em dezembro de 1989.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O PLANASA - UM CASO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL EM SANEAMENTO AMBIENTAL II


 

O problema relacionado com os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem e manejo de águas pluviais, manejo de resíduos sólidos, controle de vectores e outros, considerados como formando parte do conceito de saneamento básico, tem, sem dúvida, um alto grau de complexidade abrangendo diversos aspectos e fatores de caráter social, político, tecnológico, econômico e financeiro.

 

É entretanto, um problema que, principalmente nos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento, está longe de ter um nível satisfatório de solução inclusive, apresentando índices preocupantes de regressão em termos quantitativos e qualitativos, o que constitui uma ameaça a nivel mundial, considerando um contexto mais amplo vinculado ao meio ambiente de uma forma geral.

 

Com efeito, as doenças, as epidemias, a fome e outros males que persistem em castigar grandes contingentes da população desses países, estão definitivamente vinculados a carências e deficiências de toda ordem provocadas, por um lado, pelas práticas erradas do manejo ambiental e dos recursos naturais, e, por outro, pela precariedade dos serviços antes mencionados resultante de práticas de gestão ou “governança” flagrantemente ineficientes.

 

E é evidente, que tudo aquilo que de bom ou de ruim acontece nos países menos desenvolvidos repercute, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, no mundo inteiro, tal como a história contemporânea mais recente vem mostrando nestas últimas épocas de globalização, principalmente econômica, bem como pela enorme mobilidade populacional entre cidades, países e continentes.

 

No caso do meio ambiente e a saúde não é diferente.

 

O desmatamento da selva amazónica, por exemplo, vem contribuindo de forma perversa com as mudanças climáticas que, por sua vez, já estão afetando o regime de chuvas nas demais regiões do próprio Brasil e, acreditamos, do planeta.

 

Doenças ou epidemias tais como o ebola, a febre chicungunha, a gripe aviaria, a cólera, a tuberculose, o dengue, o Zika vírus (ZIKV) e outras mais que, ultimamente, vem-se apresentando no cenário da saúde principalmente dos países mais pobres, constituem, de igual maneira, uma ameaça latente e um risco crescente, para todas demais populações, em todos os continentes.

 

O Saneamento Básico no Mundo

 

De acordo com registros da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a falta de saneamento básico põe em risco a vida de 2.6 bilhões de pessoas.

 

O Subdiretor – Geral da OMS para Doenças Transmissíveis, David Heyman, nos informa que “No mundo hoje, são mais de 15 milhões de mortes por ano decorrentes de doenças infecciosas”.

 

Dados preliminares do Segundo Relatório das Nações Unidas sobre os recursos hídricos no mundo – mostram que:

 

Ø  Cerca de 2.4 bilhões de pessoas não têm condições satisfatórias de saneamento, o que amplifica o número de mortes por causas perfeitamente evitáveis, como a diarreia e a malária.

 

Ø  Mais de 2 milhões, em sua maioria crianças, morrem por ano em decorrência de doenças associadas à falta de água potável e saneamento básico.

 

Ø  Mais da metade dos leitos de hospitais em países em desenvolvimento é ocupada por pacientes com doenças associadas à falta de água potável e saneamento.

 

Na África, a situação tem contornos dramáticos: seis em cada 10 pessoas não tem acesso a condições consideradas como “um saneamento decente que separe o contato humano de seus próprios dejetos”.

 

Estudo coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, elaborado por 24 Agencias da ONU (incluindo o PNUD), governos e organizações não-governamentais, demonstrou que “gestões equivocadas, recursos limitados e mudanças climáticas” podem fazer com que a sustentabilidade ambiental, um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), não seja alcançada na data estabelecida de 2015.

 

Uma dessas metas diz respeito a reduzir pela metade a proporção da população do planeta sem acesso a água potável. De acordo com o relatório, atualmente 1,1 bilhão de pessoas no mundo, o equivalente a um quinto da população, ainda não dispõem de água potável e 40 % não tem condições sanitárias básicas.

 

Esta precariedade no campo do saneamento tem reflexos inevitáveis na situação da saúde global. Segundo a UNESCO, doenças como a diarreia e a malária foram responsáveis em 2002 pela morte de mais de 3 milhões de pessoas, 90 % das quais, crianças com menos de 5 anos. “Aproximadamente 1,6 milhão de vidas poderiam ser salvas anualmente com o fornecimento de água potável, saneamento básico e higiene”, acrescenta o citado organismo.

 

Todo esse panorama tem, sem dúvida, uma conotação econômica muito importante para os países. É possível saber quanto gasta um país em termos dos serviços de saúde, tanto no setor público como no setor privado, mas essa informação não é relevante por quanto não há forma de qualificar ou avaliar a eficiência e a eficácia dessas despesas para proporcionar o bem-estar da população. Por outro lado, não existem estadísticas que nos informem o custo de horas/homem de trabalho, ou horas/aula, perdidas e, sobretudo, quanto ao custo da queda de produtividade de uma população enfraquecida pelas condições deterioradas de saúde vinculadas à falta de agua potável e saneamento básico em geral.

 

Em todo caso, a Organização Mundial de Saúde – OMS, indica que por cada US$ investido em saneamento, se economizam US$ 4,00 em atendimento clínico, hospitalar e despesas com medicamentos.

 

Esse tópico es considerado de tanta importância que pesquisas realizadas pelo British Medical Journal, com 11 mil profissionais da saúde do mundo todo, citaram o saneamento como o mais importante avanço na medicina desde 1840, considerando-o como fator decisivo para a prevenção das doenças que mais afetam as pessoas pobres. 

 

 

O Cenário Brasileiro

 

O Censo Demográfico realizado no ano 2000 demonstrou que aproximadamente, entre 78 e 80 por cento dos domicílios brasileiros possuíam acesso a abastecimento de água por rede geral e apenas 52 % estavam ligados a uma rede coletora de esgoto. O acesso simultâneo a ambos serviços só existia em 50 % dos domicílios.

 

Estudos posteriores demonstravam, igualmente, que a população brasileira produz, em média, 8,4 bilhões por dia, dos quais, apenas um 36 % do esgoto gerado nas cidades recebe algum tratamento.

De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil em conjunto com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável publicado em 2013, apontou que o Brasil ocupava a 112ª posição no ranking internacional de saneamento entre outros 200 países, ficando abaixo de países do Norte de África, do Oriente Médio e da América Latina.

No Nordeste, 13,5 milhões não contavam com saneamento e em mais de 6 milhões de lares não havia água tratada. O estado da Bahia registrou o maior número de residências sem coleta (3,3 milhões), seguido pelo Ceará (1,9 milhão).

No Sul, mais de 6,4 milhões de residências não contavam com os serviços e os estados de maiores déficits foram o Rio Grande do Sul com 2,8 milhões e Santa Catarina com 1,9 milhão. No Sudeste foram apresentados os melhores índices de cobertura, porém ainda existem 8,2 milhões de moradias sem coleta.

Com esses números O Brasil, a sétima economia do mundo, ficou abaixo dos índices de cobertura existentes em países do Norte da África, do Oriente Médio e da América Latina que, entre outras coisas, apresentam rendas per capita inferiores.

 

Dessa forma o Brasil corre o risco de, até 2015, não cumprir os Objetivos do Milênio, definidos pela Organização das Nações Unidas, que é de cortar pela metade o déficit no saneamento básico, no quesito esgotamento sanitário.

 

A previsão é do engenheiro Paulo Libânio, assessor especial da Diretoria da Área de Gestão da Agência Nacional de Águas (ANA), feita em entrevista à jornalista Silvia Czapski, segundo reportagem publicada no jornal Valor de 22-03-2013.

Na reportagem, se informa ademais, que conforme dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (Snis), publicado pelo Ministério das Cidades (base 2010), o abastecimento de água atendia, na época, mais ou menos três quartos da população brasileira (81%), com o que se estaria ultrapassando a meta internacional estabelecida. Entretanto,  menos da metade (46%) contaba com coleta de esgotos e, apenas pouco mais de um terço (38%) do coletado, recebia algum tipo de tratamento.

Considerando os dados anteriores, bem como o volume de investimentos que efetivamente vem sendo aplicado no setor de saneamento, se conclui que, no final das contas, o Brasil só cumprirá a meta estabelecida lá pelo ano de 2020.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado em anos recentes para agilizar as ações de financiamento de obras no país inteiro, ficou aquém das expectativas. Uma avaliação do programa indicaba que "Nas cidades acima de 500 mil habitantes monitoradas pelo Trata Brasil, a situação era de atraso em 60% das 114 obras em esgotos do PAC 1, e apenas 7% de obras concluídas no ano de 2011.

Como parte do PAC 2, o governo federal anunciou a liberação de R$ 9,8 bilhões para obras de esgotamento sanitário em municípios com mais de 250 mil habitantes e regiões metropolitanas, com recursos do Orçamento Geral da União e de financiamento, por meio do FGTS e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "O setor de saneamento tem recebido cerca de R$ 4 bilhões por ano, mas não bastou para superar o passivo"..

Detentor de 12% de água doce do planeta, o Brasil enfrenta os reflexos da distribuição desigual, acrescenta o técnico da ANA. Enquanto um habitante em Roraima dispõe de 1,74 milhão de m³ de água por ano, em Pernambuco a disponibilidade é de 1,3 mil m³/hab./ano, menos do que a ONU prega para o consumo humano. Além da quantidade, os usos múltiplos da água geram conflitos em torno desse precioso bem, sobretudo quando a qualidade da água é afetada.

Em conclusão, fica evidente que a situação do Brasil no campo do saneamento básico continua sendo muito crítica e, pelo que se sabe, sem perspectivas positiva para os próximos anos.

No próximo post apresentaremos uma breve resenha histórica do que aconteceu, a partir dos anos 60 na América Latina, principalmente no Brasil  onde foi criado o Plano Nacional de Saneamento – PLANASA.