terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O PLANASA - UM CASO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL EM SANEAMENTO AMBIENTAL III


Uma Análise Introdutória

 
Sem considerar aspectos de natureza política ou até, ideológica, que participam na formação do contexto dos serviços públicos em geral, e, em especial do saneamento básico, muitas são as causas que os especialistas apontam como responsáveis pelo panorama e situação precária em que se encontra este setor. Cinco podem ser identificadas como sendo as principais:

     I.        A carência de recursos financeiros

    II.        A carência de recursos humanos qualificados

  III.        Carências no campo da tecnologia apropriada

  IV.        Ordenamento legal, institucional, deficiente

   V.        Problemas de governança e gestão

Na realidade e em nossa opinião, essa relação de causas pode, em última análise, resumir-se nas duas últimas, uma vez que seriam precisamente essas variáveis as que podem ser consideradas como determinantes para a formação da problemática vinculada à prestação dos serviços de saneamento.

Entende-se que todo e qualquer esforço para a solução das carências indicadas como causas dos problemas do setor passa, necessariamente, pela organização do estado e suas instituições, cumprindo, cada nível de governo, seu papel devidamente caraterizado e com toda eficiência.

De acordo com a opinião de entidades nacionais e internacionais de crédito, não se trata apenas da falta de recursos financeiros para a aplicação nos investimentos necessários nos setores de meio ambiente, saúde e saneamento. O problema é de outra ordem. O problema maior reside na constatação de que, sem dúvida, existe uma evidente perda e desvio de recursos e de dinheiro público, devido a problemas provocados, principalmente, pela má gestão operacional e administrativa.

A esse respeito se sabe, por exemplo, que a perda de água tratada para o consumo humano é enorme, alcançando nos países da região e no Brasil o 40% da agua produzida, podendo chegar até 70 %, em alguns casos.

Esses dados representam uma perda gigantesca não apenas do elemento água (o que já seria uma tragédia considerando a situação crítica que existe no momento em algumas regiões), mas econômica, se consideramos o valor monetário das perdas em questão o que, ao final das contas, afeta a situação financeira das entidades responsáveis pela prestação dos serviços.

Isso, naturalmente, traz uma série de consequências, entre outras, limitações na capacidade de investimento em novas instalações e melhorias nos serviços e, o pior, aumentos de tarifas, sem uma justificação racional e técnica.

A experiência acumulada até o momento indica que, sem instituições fortes, principalmente no que se refere ao exercício eficiente das funções de planejamento, operação, manutenção, financeiras, de comercialização e de apoio administrativo, dificilmente terão as condições propícias, necessárias para garantir o cumprimento dos objetivos e metas de universalização dos serviços de forma sustentada, conforme indicadores operacionais, de desempenho e de qualidade dos serviços, internacionalmente aceitos.

 

O Programa “Aliança para o Progresso”

 

Nos anos 60, com o advento do programa Aliança para o Progresso, lançado pelos USA, durante a administração Kennedy, para levar adiante um plano de investimento de longo alcance para os países de América Latina e o Caribe, o enfoque e a forma das ações e soluções que, até aquele momento, vinham sendo dadas e aplicadas ao problema de saneamento, foram totalmente redesenhadas e reorientadas, notadamente, do ponto de vista institucional.

Com efeito, naquela época, a prestação dos serviços de água e esgoto na maioria dos países era responsabilidade de secretarias e outras dependências da esfera central de governo e ainda, de âmbito municipal, contando basicamente com recursos públicos além de esquemas tarifários ou impositivos.

Para a realização dos investimentos necessários para a expansão da cobertura dos serviços, se contava, ainda, com recursos obtidos junto a organismos internacionais de crédito e agencias de promoção de desenvolvimento, tais como o Ponto IV, AID e outros.

Ainda, neste contexto, a iniciativa privada tinha uma tímida presença como concessionária dos serviços de saneamento de algumas cidades importantes, principalmente, capitais.

Os limitados resultados que se vinham obtendo nos esforços para solucionar o problema de saneamento nos países da Região, davam uma clara demonstração da precariedade do modelo utilizado e, principalmente, da fraqueza da estratégia aplicada já que, sem sombra de dúvida, com o caminho traçado, a demora para alcançar índices de cobertura dos serviços, equivalentes aos padrões internacionalmente aceitos, ultrapassavam qualquer capacidade de previsão e de planejamento.

De tal forma que, contando com os recursos provenientes do Programa Aliança para o Progresso, a estratégia utilizada para a aplicação dos investimentos e o próprio arcabouço institucional, mudou radicalmente.

 

As caraterísticas mais importantes do novo modelo foram:

Ø  A criação de uma instituição central, com autonomia técnica, administrativa e financeira, que seria a única responsável pela implementação de planos, programas e projetos e que seria capaz, entre outros aspectos, de assumir compromissos financeiros perante os órgãos nacionais e internacionais de crédito.

Ø   A transferência de toda a atribuição legal para a exploração dos serviços para essa instituição.

Ø  A criação de um fundo rotativo, como mecanismo de caráter permanente para o financiamento dos investimentos em saneamento básico.

 

O Plano Nacional de Saneamento – PLANAS

 

O PLANASA foi, sem dúvida e, em nossa opinião, a maior e a melhor experiência realizada no mundo, na época (1970-1980), em matéria de desenvolvimento institucional no campo do saneamento básico.

“O censo de 1970, informava que apenas 26,7 milhões de brasileiros, ou 50,4% da população urbana, eram abastecidos com água potável e 10,1 milhões ou 20% servidos pela rede de esgotos.     Quinze anos depois - em 1985 - a Pesquisa Nacional de Domicílios   do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia   e Estatística - assinalava que 82,8 milhões de brasileiros ou 87% da população urbana eram abastecidos com água potável.     O PLANASA, nesse período, havia conseguido acrescentar à população abastecida, 56 milhões de pessoas - contingente maior que a população da França”.[i]

Infelizmente e a partir de então, a inflação e as persistentes crises econômicas mundiais que afetaram, com maior rigor, os países em desenvolvimento, quebraram a espinha dorsal de toda a estrutura funcional e de organização dos serviços públicos que, com muito esforço, vinha sendo montada. Avanços significativos no campo das comunicações, energia, saneamento e outros, perderam impulso, ficaram estagnados e apresentaram resultados insignificantes.

Com a implementação, nos últimos anos, de novos modelos de desenvolvimento dos países, com a revisão do papel do estado, a liberação da economia e a promoção e incentivo da participação da iniciativa privada em campos, anteriormente, exclusivos do poder público, o setor de infraestrutura, o saneamento inclusive, tem encontrado outras alternativas para dar sequência aos esforços para enfrentar e superar as dificuldades e problemas e, dessa forma, encontrar definitiva solução a suas grandes carências.

Esse é o cenário que, entre outras consequências, traz consigo novos problemas e desafios a vencer.

Na sequência, apresentaremos e comentaremos as características essenciais do macro modelo financeiro e institucional do PLANASA, assim como do instrumental utilizado para a sua execução, e as instituições nacionais e internacionais participantes.

 

 

 

 

 




[i]  Trabalho apresentado, no Seminário sobre Inovação e Desenvolvimento de Empresas de água Potável, realizado pelo Banco Mundial, em S. Jose da Costa Rica, em dezembro de 1989.

domingo, 13 de dezembro de 2015

O PLANASA - UM CASO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL EM SANEAMENTO AMBIENTAL II


 

O problema relacionado com os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem e manejo de águas pluviais, manejo de resíduos sólidos, controle de vectores e outros, considerados como formando parte do conceito de saneamento básico, tem, sem dúvida, um alto grau de complexidade abrangendo diversos aspectos e fatores de caráter social, político, tecnológico, econômico e financeiro.

 

É entretanto, um problema que, principalmente nos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento, está longe de ter um nível satisfatório de solução inclusive, apresentando índices preocupantes de regressão em termos quantitativos e qualitativos, o que constitui uma ameaça a nivel mundial, considerando um contexto mais amplo vinculado ao meio ambiente de uma forma geral.

 

Com efeito, as doenças, as epidemias, a fome e outros males que persistem em castigar grandes contingentes da população desses países, estão definitivamente vinculados a carências e deficiências de toda ordem provocadas, por um lado, pelas práticas erradas do manejo ambiental e dos recursos naturais, e, por outro, pela precariedade dos serviços antes mencionados resultante de práticas de gestão ou “governança” flagrantemente ineficientes.

 

E é evidente, que tudo aquilo que de bom ou de ruim acontece nos países menos desenvolvidos repercute, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, no mundo inteiro, tal como a história contemporânea mais recente vem mostrando nestas últimas épocas de globalização, principalmente econômica, bem como pela enorme mobilidade populacional entre cidades, países e continentes.

 

No caso do meio ambiente e a saúde não é diferente.

 

O desmatamento da selva amazónica, por exemplo, vem contribuindo de forma perversa com as mudanças climáticas que, por sua vez, já estão afetando o regime de chuvas nas demais regiões do próprio Brasil e, acreditamos, do planeta.

 

Doenças ou epidemias tais como o ebola, a febre chicungunha, a gripe aviaria, a cólera, a tuberculose, o dengue, o Zika vírus (ZIKV) e outras mais que, ultimamente, vem-se apresentando no cenário da saúde principalmente dos países mais pobres, constituem, de igual maneira, uma ameaça latente e um risco crescente, para todas demais populações, em todos os continentes.

 

O Saneamento Básico no Mundo

 

De acordo com registros da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a falta de saneamento básico põe em risco a vida de 2.6 bilhões de pessoas.

 

O Subdiretor – Geral da OMS para Doenças Transmissíveis, David Heyman, nos informa que “No mundo hoje, são mais de 15 milhões de mortes por ano decorrentes de doenças infecciosas”.

 

Dados preliminares do Segundo Relatório das Nações Unidas sobre os recursos hídricos no mundo – mostram que:

 

Ø  Cerca de 2.4 bilhões de pessoas não têm condições satisfatórias de saneamento, o que amplifica o número de mortes por causas perfeitamente evitáveis, como a diarreia e a malária.

 

Ø  Mais de 2 milhões, em sua maioria crianças, morrem por ano em decorrência de doenças associadas à falta de água potável e saneamento básico.

 

Ø  Mais da metade dos leitos de hospitais em países em desenvolvimento é ocupada por pacientes com doenças associadas à falta de água potável e saneamento.

 

Na África, a situação tem contornos dramáticos: seis em cada 10 pessoas não tem acesso a condições consideradas como “um saneamento decente que separe o contato humano de seus próprios dejetos”.

 

Estudo coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, elaborado por 24 Agencias da ONU (incluindo o PNUD), governos e organizações não-governamentais, demonstrou que “gestões equivocadas, recursos limitados e mudanças climáticas” podem fazer com que a sustentabilidade ambiental, um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), não seja alcançada na data estabelecida de 2015.

 

Uma dessas metas diz respeito a reduzir pela metade a proporção da população do planeta sem acesso a água potável. De acordo com o relatório, atualmente 1,1 bilhão de pessoas no mundo, o equivalente a um quinto da população, ainda não dispõem de água potável e 40 % não tem condições sanitárias básicas.

 

Esta precariedade no campo do saneamento tem reflexos inevitáveis na situação da saúde global. Segundo a UNESCO, doenças como a diarreia e a malária foram responsáveis em 2002 pela morte de mais de 3 milhões de pessoas, 90 % das quais, crianças com menos de 5 anos. “Aproximadamente 1,6 milhão de vidas poderiam ser salvas anualmente com o fornecimento de água potável, saneamento básico e higiene”, acrescenta o citado organismo.

 

Todo esse panorama tem, sem dúvida, uma conotação econômica muito importante para os países. É possível saber quanto gasta um país em termos dos serviços de saúde, tanto no setor público como no setor privado, mas essa informação não é relevante por quanto não há forma de qualificar ou avaliar a eficiência e a eficácia dessas despesas para proporcionar o bem-estar da população. Por outro lado, não existem estadísticas que nos informem o custo de horas/homem de trabalho, ou horas/aula, perdidas e, sobretudo, quanto ao custo da queda de produtividade de uma população enfraquecida pelas condições deterioradas de saúde vinculadas à falta de agua potável e saneamento básico em geral.

 

Em todo caso, a Organização Mundial de Saúde – OMS, indica que por cada US$ investido em saneamento, se economizam US$ 4,00 em atendimento clínico, hospitalar e despesas com medicamentos.

 

Esse tópico es considerado de tanta importância que pesquisas realizadas pelo British Medical Journal, com 11 mil profissionais da saúde do mundo todo, citaram o saneamento como o mais importante avanço na medicina desde 1840, considerando-o como fator decisivo para a prevenção das doenças que mais afetam as pessoas pobres. 

 

 

O Cenário Brasileiro

 

O Censo Demográfico realizado no ano 2000 demonstrou que aproximadamente, entre 78 e 80 por cento dos domicílios brasileiros possuíam acesso a abastecimento de água por rede geral e apenas 52 % estavam ligados a uma rede coletora de esgoto. O acesso simultâneo a ambos serviços só existia em 50 % dos domicílios.

 

Estudos posteriores demonstravam, igualmente, que a população brasileira produz, em média, 8,4 bilhões por dia, dos quais, apenas um 36 % do esgoto gerado nas cidades recebe algum tratamento.

De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil em conjunto com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável publicado em 2013, apontou que o Brasil ocupava a 112ª posição no ranking internacional de saneamento entre outros 200 países, ficando abaixo de países do Norte de África, do Oriente Médio e da América Latina.

No Nordeste, 13,5 milhões não contavam com saneamento e em mais de 6 milhões de lares não havia água tratada. O estado da Bahia registrou o maior número de residências sem coleta (3,3 milhões), seguido pelo Ceará (1,9 milhão).

No Sul, mais de 6,4 milhões de residências não contavam com os serviços e os estados de maiores déficits foram o Rio Grande do Sul com 2,8 milhões e Santa Catarina com 1,9 milhão. No Sudeste foram apresentados os melhores índices de cobertura, porém ainda existem 8,2 milhões de moradias sem coleta.

Com esses números O Brasil, a sétima economia do mundo, ficou abaixo dos índices de cobertura existentes em países do Norte da África, do Oriente Médio e da América Latina que, entre outras coisas, apresentam rendas per capita inferiores.

 

Dessa forma o Brasil corre o risco de, até 2015, não cumprir os Objetivos do Milênio, definidos pela Organização das Nações Unidas, que é de cortar pela metade o déficit no saneamento básico, no quesito esgotamento sanitário.

 

A previsão é do engenheiro Paulo Libânio, assessor especial da Diretoria da Área de Gestão da Agência Nacional de Águas (ANA), feita em entrevista à jornalista Silvia Czapski, segundo reportagem publicada no jornal Valor de 22-03-2013.

Na reportagem, se informa ademais, que conforme dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (Snis), publicado pelo Ministério das Cidades (base 2010), o abastecimento de água atendia, na época, mais ou menos três quartos da população brasileira (81%), com o que se estaria ultrapassando a meta internacional estabelecida. Entretanto,  menos da metade (46%) contaba com coleta de esgotos e, apenas pouco mais de um terço (38%) do coletado, recebia algum tipo de tratamento.

Considerando os dados anteriores, bem como o volume de investimentos que efetivamente vem sendo aplicado no setor de saneamento, se conclui que, no final das contas, o Brasil só cumprirá a meta estabelecida lá pelo ano de 2020.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado em anos recentes para agilizar as ações de financiamento de obras no país inteiro, ficou aquém das expectativas. Uma avaliação do programa indicaba que "Nas cidades acima de 500 mil habitantes monitoradas pelo Trata Brasil, a situação era de atraso em 60% das 114 obras em esgotos do PAC 1, e apenas 7% de obras concluídas no ano de 2011.

Como parte do PAC 2, o governo federal anunciou a liberação de R$ 9,8 bilhões para obras de esgotamento sanitário em municípios com mais de 250 mil habitantes e regiões metropolitanas, com recursos do Orçamento Geral da União e de financiamento, por meio do FGTS e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "O setor de saneamento tem recebido cerca de R$ 4 bilhões por ano, mas não bastou para superar o passivo"..

Detentor de 12% de água doce do planeta, o Brasil enfrenta os reflexos da distribuição desigual, acrescenta o técnico da ANA. Enquanto um habitante em Roraima dispõe de 1,74 milhão de m³ de água por ano, em Pernambuco a disponibilidade é de 1,3 mil m³/hab./ano, menos do que a ONU prega para o consumo humano. Além da quantidade, os usos múltiplos da água geram conflitos em torno desse precioso bem, sobretudo quando a qualidade da água é afetada.

Em conclusão, fica evidente que a situação do Brasil no campo do saneamento básico continua sendo muito crítica e, pelo que se sabe, sem perspectivas positiva para os próximos anos.

No próximo post apresentaremos uma breve resenha histórica do que aconteceu, a partir dos anos 60 na América Latina, principalmente no Brasil  onde foi criado o Plano Nacional de Saneamento – PLANASA.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O PLANASA - UM CASO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL EM SANEAMENTO AMBIENTAL


A historinha “A ARCA DE NOÉ” nos traz diversos ensinamentos dependendo naturalmente, do ângulo e da percepção que se tenha sobre problemas relacionados com o desenvolvimento daquilo que se entende como um empreendimento.

Entretanto, é importante destacar naquele texto, um aspecto que nos parece fundamental quando se trata de levar adiante qualquer tipo de ação dirigida a realizar ou concretizar um objetivo. E, como manifesta o próprio protagonista da história, tratava-se de um grande objetivo: “a construção de um barco para salvar a humanidade! ”.

Neste ponto nos referimos á desastrada ação de planejamento levada a cabo pelo Absalão, o general especializado em guerras ou, se quiser, em empreendimentos armados, para cumprir com a missão encomendada pelo Criador. Com efeito, o General Abssalão teve a sua preocupação maior dirigida à montagem da organização e correspondente estrutura burocrática e não às ações dirigidas ao atingimento do objetivo final. Em outras palavras, ele e seus auxiliares e assessores dedicaram-se à missão de montar uma empresa de construção de barcos em grande escala quando na realidade se tratava apenas da construção de um barco!

Interpretações aparte, tudo isto que parece ser apenas uma folclórica e engraçada história de um narrador muito criativo e imaginativo é, entretanto, uma experiência constante em nossos países, tanto no âmbito privado como no contexto público, com maior preponderância, obviamente, neste último, onde é comum encontrar organismos governamentais com muitos ministérios, entes ditos autônomos, todos com empregados...muitos empregados...cada quem, como não pode deixar de ser, com seu correspondente computador e demais parafernália tecnológica!

À constante e generalizada falta, carência ou falho exercício da função de planejamento podemos acrescentar a péssima organização operacional, sem deixar de destacar: a verdadeira ruina na execução de planos e projetos, quando existem, bem como na administração e gestão dos recursos humanos, materiais, financeiros e outros.

São burocracias imensas, caríssimas e ineficientes que explicam, mas não justificam, o alto custo e, por conseguinte, os altos impostos e tributos que a população tem que pagar para a sua manutenção, sem que se tal esforço se traduza em eficientes e suficientes serviços de contrapartida.

Sobre estes temas consideramos oportuno rever dois textos incluídos no início do presente Blog, vejamos:

“Um dos maiores problemas que os países chamados emergentes, de terceiro mundo ou em desenvolvimento enfrentam nos dias de hoje, é o imenso vácuo existente entre o modelo de Estado e de organização administrativa pública vigente nestes países, e as necessidades de mudanças estruturais exigidas pelo processo de interação e integração com uma realidade e com um mundo externo cada vez mais cambiante e dinâmico, com o qual, para bem ou para mal, temos que conviver.

Nossos países vêm sendo atropelados, no seu dia a dia, pela velocidade dos acontecimentos provocados mundo fora pela revolução da informação, o avanço da tecnologia e a globalização. É uma situação que vem criando grandes conflitos nos campos político, social e econômico pelas dificuldades que temos para nos adaptar ás novas situações. Em que pese aos esforços realizados, pouco conseguimos progredir e nossos países continuam a sofrer as mazelas do atraso como o desemprego, a pobreza, e, em muitos casos, até com a fome e com doenças que há muito tempo deveriam ter sido controladas.

O pior de tudo é a desesperança e a falta de perspectivas. As pessoas não conseguem ver de que forma podem melhorar e sair de uma crise que se torna cada vez mais permanente, assumindo contornos endêmicos, por que se apresenta recorrente, parecendo que chegou para ficar”.

E mais:

Os tempos são de mudança. Mudança radical de estruturas, conceitos, paradigmas e valores. Mudança provocada, em primeira instancia, pela explosão do conhecimento e da tecnologia e, num segundo momento, pela revolução da informação e a globalização da economia.

 

Entidades sociais, empresas, instituições públicas e privadas de todo ordem se vem, da noite para o dia, enfrentando situações não necessariamente planejadas ou, de alguma forma previstas, colocando em risco a sua capacidade de cumprir e atender, adequadamente, as constantes novas demandas de clientes, público e sociedade em geral.

 

Para as empresas e negócios privados, a ameaça se traduz em perda de lucratividade e competitividade, em suma, a falência e o desaparecimento. Para as entidades públicas, os riscos e problemas são de atraso e obsolescência, com a perda de sua capacidade de dar oportuna e satisfatória resposta às próprias exigências da sociedade, tornando-se assim, inúteis e onerosas.

 

No âmbito individual, a necessidade é de atualização e desenvolvimento profissional, como única saída para o ostracismo, a falta de emprego e de futuro”.

 

Os textos anteriores apresentam uma realidade inquestionável e, sem dúvida, merecem uma amplia e minuciosa reflexão acerca de suas origens e caraterísticas, causas e consequências no âmbito dos diferentes ambientes institucionais, sociais e econômicos.

E é precisamente nesse contexto que se fundamenta a nossa cruzada por incentivar e promover o exercício do processo que convencionamos em definir e chamar de “Desenvolvimento Institucional”.

Um processo que tal como mostrado através de diferentes textos do Blog, tem a sua sustentação no empreendedorismo, na inovação tecnológica, no conhecimento e no campo comportamental.

De outro ângulo e, em relação com o tema abordado, Peter Drucker[i] nos expressa:

“A inovação é o melhor meio para se preservar e perpetuar a organização, é o alicerce para a segurança e o sucesso no desempenho de cada gestão”. E recomenda:

Ø  O abandono sistemático de tudo que estiver desgastado, obsoleto, improdutivo, bem como erros e esforços mal direcionados.

Ø  Enfrentar o fato de que todos os atuais produtos, serviços, mercados, canais de distribuição, processos e tecnologias têm vida limitada, habitualmente curta.

Ø  Fazer o raio-X da empresa para descobrir o quanto de inovação é requerido, em quais áreas, dentro de quais prazos

Ø  Formular um plano empreendedor, com objetivos para a inovação e prazos-limite.

Em outras palavras, se trata da implantação de uma atitude permanente orientada para a mudança que leve à elaboração de planos, programas e projetos dirigidos à obtenção de melhores índices operacionais e desempenho em termos de eficiência, eficácia e sustentabilidade. E isso é totalmente válido tanto para o âmbito da administração pública como para a gestão privada.

Mas, como fazer isso? Sobre este tema existe uma vasta literatura sobre trabalhos realizados, principalmente, logo o após a II Guerra Mundial, em empresas das mais variadas atividades, através do mundo. Entre outras, poderíamos citar: a administração por objetivos, a qualidade total, o Just in time, a Reengenharia, o Kai zen, o Benchmarking e outras.

Na sequência do Blog, abordaremos uma experiência levada a cabo no Setor de Saneamento do Brasil, entre os anos 70 e 80, na qual tivemos a oportunidade de participar formando parte de uma equipe multidisciplinar de especialistas da OPS/OMS, em Convenio de Cooperação Técnica com o Governo Brasileiro.



[i] DRUCKER, Peter F. – Inovação e Espírito Empreendedor, práticas e princípios.
7ª. Ed. São Paulo, Editora Cengage Learning, 2008
 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A ARCA DE NOÉ - V - Final

O Presidente entrou furioso, desabafando com Cloè:

- Veja só! Faltam apenas 40 dias e a Divisão de Importação diz que há crise de transportes e a madeira só chegará no prazo médio de 10 dias! O pessoal do P.O. mais o de OAM junto com o CPD já fez tudo para diminuir o caminho crítico de um tal de PERTO – mas estou vendo tudo longe!

Quero uma reunião de emergência com os Diretores. Vou despedir o Setor de Carpintaria e contratar outro.

Se não fosse o Robão, com a equipe de recrutamento, não sei o que seria...

- Mas Presidente, perguntou Cloé, faltam 40 dias para quê?

- Para o Diluvio, minha filha, para o Diluvio!

Envie o seguinte TELEX.

De: Absalão
Para: O SENHOR

SOLICITO PRORROGAÇÃO PRAZO RESTANTE 40 DIAS. DIFICULDADES INTRANSPONÍVEIS, CRISE INTERNACIONAL DE MADEIRA.
PROSTRAÇÕES – ABASALÃO

O ruído monótono da tele impressora deixava Absalão ansioso..., mas a resposta veio finalmente.

De: O SENHOR
Para: Absalão

CONCEDIDO PRAZO MAIS CINCO DIAS IMPORROGAVEIS. ELEVAÇÃO DE ÁGUAS EM ANDAMENTO.

Absalão desesperou-se e partiu para a reunião. Cloé, pelo telefone interno, iniciou a tele fofoca do Diluvio.

82º. Dia – Grau adentra no Gabinete do Presidente.

- Chefe, tenho aqui um relatório que informa haver um desvio de cipós de amarração no Almoxarifado. A listagem do computador não bate com a Auditoria...

- Que inferno, Grau: coloque sua equipe em campo. Jacob está fora de suspeita por ser meu amigo – verifique o pessoal da carpintaria.

Mande um memorando ao Robão para aumentar a equipe de Segurança.

Robão? Aqui é o Presidente. Já recrutou os carpinteiros?

- Infelizmente não passam nos testes, meu Chefe. Já até afrouxamos, as provas, mas o exame de reconhecimento de tipos genéricos de cupim reprova todo mundo. É por isso que a madeira em estoque está bichada, conforme indica o relatório do Departamento de Material.

- Presidente! – Interrompeu Cloé – é urgente! Há dois pastores na antessala dizendo que há crise de leite nas cabras, não havendo distribuição aos funcionários por uma semana – o Suprimento não providenciou capim no secado pasto. Qual é a sua decisão?

XXXXXXXXXXXXXXXXX

100º dia – Reunião de Diretoria.

- Sr, Presidente – falou o DI – dentro de uma semana vencem nossos empréstimos internacionais e com povoados vizinhos e a caixa não é suficiente. Nosso EMPREENDIMENTO economicamente vai muito bem, mas financeiramente estamos à beira de uma crise. Sugiro uma redução de pessoal...

- Toda vez que se fala em reduções todos olham para mim – explodiu o Comandante de Operações – sem meus homens não há operação do barco, que nem sairá do porto. E meu simulador ainda não foi aprovado!

- Sr. Presidente - falou timidamente o DB acho que o Comandante tem razão, mas não prometeram ao MINISTRO que o barco estaria pronto em breve? Mas... sem material...

- Como posso fabricar madeira? – gritou o DC – meu laboratório não acha a madeira local e há crise de transporte! Os carpinteiros são incompetentes... e este tal de Noé? Que fez ele até agora? E ganha 10 dinheiros!

- Senhores – falou gravemente o Presidente.

Todos olharam esperançosos -  A situação do EMPREENDIMENTO é razoável, mas temos que tomar uma atitude – mais séria quanto ao projeto do barco...

- Presidente, não quero interrompe-lo, mas em nossos arquivos não constam os exames de admissão de Noé e nem sabemos se ele é Engenheiro Naval...

- Sim, a culpa é minha, falou o Presidente, mas quando convidei Noé, ainda não havia as normas do EMPREENDIMENTO. Sou, portanto, obrigado a despedi-lo. Queira providenciar através do Robão.

Noé ficou furioso com a notificação. Nem exigiu a fração do 13º salário que lhe cabia. Estava disposto a sair daquela terra e o caminho mais fácil era pelo rio. Partiu para a floresta e reuniu 5 companheiros.

- Amigos, vamos cortar estas árvores bichadas mesmo, construir um barco e sair daqui!

- Mas Noé, nem somos carpinteiros e nem sabemos fazer barcos...

- Não importa, ensinarei a cortar a madeira e já tenho os desenhos. Faremos uma equipe motivada com o objetivo de construir um barco para uma vida melhor em outras terras! Levaremos uns bichos a bordo para comer na viagem. Só falta meter as mãos à obra.

A madeira começou a ser cortada. Lascas para todo lado. As partes mais bichadas eram isoladas e jogadas ao lado. Mosquitos voavam ao tombar das árvores!

Em poucos dias o casco do barco já tomava forma.

125º dia –

O Presidente acordou preocupado. A madeira tinha chegado, mas só tinha 3 carpinteiros no Setor de Carpintaria. Sua charrete tomou mais rápido para o Escritório, para evitar o mau tempo. Nuvens pesadas cobriam os céus.

Absalão foi direto ao telex, mas Cloé só chegava às 10 horas.

Absalão correu ao CPD.

- O que há aqui? Não começou o expediente?

- Quem é você?

- Sou uma perfuradora, Senhor. Há dias não há ninguém. Dizem que pelo Plano de Classificação de Cargos e Salários e pela política de promoções, não fica ninguém...

Absalão voltou ao escritório. No caminho encontrou com o Grau, que lhe disse estar preocupado com um zum zum acerca de um tal de Pluvio que poderia ser um terrorista, mas que a sua equipe...

Absalão ficou branco e correu ao telex.

- Cloé, rápido:
De: Absalão
Para: O SENHOR

        DIFICULDADES COM O PROJETISTA ATRASARAM EMPREENDIMENTO. SOLICITO PRORROGAÇÃO DO PRAZO.

A resposta foi imediata.

Do: Senhor
Para: Absalão

PRORROGAÇÃO NEGADA.

E começou a chover...

Absalão correu para fora, seguido de Jacob.

A chuva era forte, mas Jacob gritou:

- Chefe, há um barco descendo o rio...

Veja na proa...está escrito...


ARCA DE NOÉ

terça-feira, 19 de maio de 2015

A ARCA DE NOÉ IV

25º dia –Manhã linda. Cloé anuncia a chegada de Robão.

- Entre logo, meu velho, sente-se. Aceita um leite de cabra?

- Sim chefe, obrigado. Por falar nisso, segundo a lei, mandei distribuir leite de cabra pela manhã e pela tarde, para todos e o material já foi codificado, para controle pelo computador. Mas para isso foi necessário adquirir 200 cabras por pastor e estes só ganham 10 dinheiros!

- Você é um bicho na administração de pessoal, Robão! Falarei com o seu Diretor para propor sua promoção na próxima vez. Como vai a sua avaliação?

- Realmente não sei Chefe, é confidencial...

- Darei um jeito para que seja boa. Afinal, já temos 500 pessoas no efetivo e todas passaram por você. E ainda conseguiu comprimir o quadro que era de 800 pessoas! Quanto economizamos em média?

- Nessas 300 pessoas, cerca de 4.000 dinheiros, Chefe! –respondeu Robão com um sorriso de modesta satisfação. Talvez meu salário fosse aumentado para 30 dinheiros!

- Robão não quero incomoda-lo e nem por sombra reclamar do belíssimo trabalho de sua equipe, mas Noé me disse que ainda não foram contratados os carpinteiros para o corte...

- Ora, Chefe, Noé é um sonhador. Só pensa nos seus benefícios. Já lhe expliquei a complexidade da contratação. Por exemplo, já aumentamos a oferta para 6 dinheiros, porém todos os candidatos foram reprovados no psicotécnico. Não adianta contratar pessoal sem aptidão psico –profissional para o corte da madeira. Se não passam neste exame, imagine nos outros!

- Realmente, você tem razão, Robão. Noé desconhece o que é uma boa organização. Toque como você achar melhor. Se o contratei é porque tenho total confiança no seu trabalho...

XXXXXXXXXXXXXXXX

40º Dia – Finalmente acontece a primeira reunião da Diretoria

Era o momento solene das grandes decisões de cúpula do EMPREENDIMENTO. Todo mundo com o seu melhor terno, sentados na mesa de reunião cada um com suas pastas 007.

O Presidente, muito satisfeito, relatava que o    EMPREENDIMENTO era o orgulho do povoado.
Havia muito trabalho e emprego para todos.

Aproveitando o clima de satisfação, o DC informou que havia feito um convênio com a Escola de Carpinteiros, pois a mão de obra necessária estava aquém do desempenho satisfatório.

Além disso, havia criado o Departamento de Recursos Humanos com a missão de reforçar o treinamento dos carpinteiros para a técnica naval, também para treinar datilógrafas, secretárias, auxiliares de administração e outros.

Também havia criado um Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho por força de lei. O ambulatório já atendia 20 pessoas por dia.

O DB, aproveitando uma brecha do DC, ponderou timidamente que faltava papel para o desenho e que a eficiência dos carpinteiros era baixa: havia só um, que cortou 3 árvores, sendo que duas bichadas, de acordo com o último relatório do Controle de Qualidade. Noé estava tentando suprir a falta, desenhando em folhas de bananeiras e cortando árvores a noite, após o expediente.

Quando o DR propôs aumentar o salário de Noé para 15 dinheiros, o DC explodiu, seguido de perto pelo DI.

Esses técnicos não funcionam e ainda querem aumento! Sr. Presidente, sou de opinião que devemos aumentar a equipe de recrutamento e apertar as provas de seleção. Nossa equipe técnica deixa muito a desejar!

- Perdão, retrucou o DR. O laboratório funciona! Vejam como detectou as árvores bichadas. Acontece que não temos o apoio necessário. O Sr. está desviando recursos para a área de operação do barco, recrutando timoneiros, veleiros, etc.

- Mas é logico – interveio o Presidente -  temos que agir com antecedência no treinamento. Treinar é investir no futuro!

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80º dia – Absalão passeava pela ravina. Estava orgulhoso. Era Presidente de um  EMPREENDIMENTO que já contava com 1200 pessoas. As preocupações de Noé eram infundadas, não passava de um tecnocrata pessimista.

Felizmente há havia o Diretor Técnico para despachar com Noé – menos um aborrecimento.
Subitamente – PUFF – Uma nuvem de fumaça.

O MINISTRO DO SENHOR! Exclamou Absalão prostrando-se.

- ABSALÃO, PONHA GENTE DE MAIS PESO NO TOPO, CASO CONTRÁRIO O EMPREENDIMENTO AFUNDARÁ – PUFF.

Absalão correu à cabana de Noé.

- Noé, Noé, ponha um convés no alto do mastro. Vou colocar as pessoas mais pesadas em cima!

- Mas Presidente, isto é impossível - ...Sempre o convés é em baixo e o cadastro aponta para cima.... Se aumentamos a massa no topo, o barco vai emborcar!

- Não discuta administração comigo Noé! O MINISTRO mandou colocar homens pesados no topo e é isto o que vou fazer... e cumpra minhas ordens!

Noé não respondeu. O Presidente estava nervoso. Talvez Cloé pudesse faze-lo ver mais claro...

Noé correu à Secretaria Geral, mas lá encontrou o Comandante de Operação do Barco, que já esperava há duas horas. Com ele estavam o Subcomandante nível 3, o imediato, o pos-imediato, dois assistentes e três assessores.

- Noé, disse o Comandante – o seu projeto não anda! Como vou treinar meus homens sem barco? Vou pedir aprovação do Presidente para adquirir um simulador de barco, caso contrário não me responsabilizo. O DI diz que minha Razão de Operação está horrível, mas implantou custos só na minha área! Já reparou quantas pessoas de apoio tem o Departamento de Apoio?

Noé balançou a cabeça e retirou-se vagarosamente. Realmente o que ele conseguira? Uma meia dúzia de desenhos em folhas de bananeira. Isto em 80 dias. Ele havia prometido que faria o barco em 120 dias ao Presidente! Estava acabrunhado e sentia-se um incompetente. Mas o que estaria errado?