Uma
Análise Introdutória
Sem considerar aspectos de
natureza política ou até, ideológica, que participam na formação do contexto
dos serviços públicos em geral, e, em especial do saneamento básico, muitas são
as causas que os especialistas apontam como responsáveis pelo panorama e situação
precária em que se encontra este setor. Cinco podem ser identificadas como
sendo as principais:
I.
A carência de recursos financeiros
II.
A carência de recursos humanos qualificados
III.
Carências no campo da tecnologia apropriada
IV.
Ordenamento legal, institucional, deficiente
V.
Problemas de governança e gestão
Na realidade e em nossa
opinião, essa relação de causas pode, em última análise, resumir-se nas duas
últimas, uma vez que seriam precisamente essas variáveis as que podem ser
consideradas como determinantes para a formação da problemática vinculada à
prestação dos serviços de saneamento.
Entende-se que todo e qualquer
esforço para a solução das carências indicadas como causas dos problemas do
setor passa, necessariamente, pela organização do estado e suas instituições,
cumprindo, cada nível de governo, seu papel devidamente caraterizado e com toda
eficiência.
De acordo com a opinião de
entidades nacionais e internacionais de crédito, não se trata apenas da falta
de recursos financeiros para a aplicação nos investimentos necessários nos
setores de meio ambiente, saúde e saneamento. O problema é de outra ordem. O
problema maior reside na constatação de que, sem dúvida, existe uma evidente
perda e desvio de recursos e de dinheiro público, devido a problemas provocados,
principalmente, pela má gestão operacional e administrativa.
A esse respeito se sabe, por
exemplo, que a perda de água tratada para o consumo humano é enorme, alcançando
nos países da região e no Brasil o 40% da agua produzida, podendo chegar até 70
%, em alguns casos.
Esses dados representam uma
perda gigantesca não apenas do elemento água (o que já seria uma tragédia
considerando a situação crítica que existe no momento em algumas regiões), mas
econômica, se consideramos o valor monetário das perdas em questão o que, ao
final das contas, afeta a situação financeira das entidades responsáveis pela
prestação dos serviços.
Isso, naturalmente, traz uma
série de consequências, entre outras, limitações na capacidade de investimento em
novas instalações e melhorias nos serviços e, o pior, aumentos de tarifas, sem
uma justificação racional e técnica.
A experiência acumulada até o
momento indica que, sem instituições fortes, principalmente no que se refere ao
exercício eficiente das funções de planejamento, operação, manutenção,
financeiras, de comercialização e de apoio administrativo, dificilmente terão
as condições propícias, necessárias para garantir o cumprimento dos objetivos e
metas de universalização dos serviços de forma sustentada, conforme indicadores
operacionais, de desempenho e de qualidade dos serviços, internacionalmente
aceitos.
O
Programa “Aliança para o Progresso”
Nos anos 60, com o advento do
programa Aliança para o Progresso, lançado pelos USA, durante a administração
Kennedy, para levar adiante um plano de investimento de longo alcance para os
países de América Latina e o Caribe, o enfoque e a forma das ações e soluções
que, até aquele momento, vinham sendo dadas e aplicadas ao problema de
saneamento, foram totalmente redesenhadas e reorientadas, notadamente, do ponto
de vista institucional.
Com efeito, naquela época, a
prestação dos serviços de água e esgoto na maioria dos países era responsabilidade
de secretarias e outras dependências da esfera central de governo e ainda, de
âmbito municipal, contando basicamente com recursos públicos além de esquemas
tarifários ou impositivos.
Para a realização dos
investimentos necessários para a expansão da cobertura dos serviços, se contava,
ainda, com recursos obtidos junto a organismos internacionais de crédito e
agencias de promoção de desenvolvimento, tais como o Ponto IV, AID e outros.
Ainda, neste contexto, a
iniciativa privada tinha uma tímida presença como concessionária dos serviços
de saneamento de algumas cidades importantes, principalmente, capitais.
Os limitados resultados que se
vinham obtendo nos esforços para solucionar o problema de saneamento nos países
da Região, davam uma clara demonstração da precariedade do modelo utilizado e,
principalmente, da fraqueza da estratégia aplicada já que, sem sombra de
dúvida, com o caminho traçado, a demora para alcançar índices de cobertura dos
serviços, equivalentes aos padrões internacionalmente aceitos, ultrapassavam
qualquer capacidade de previsão e de planejamento.
De tal forma que, contando com
os recursos provenientes do Programa Aliança para o Progresso, a estratégia utilizada
para a aplicação dos investimentos e o próprio arcabouço institucional, mudou
radicalmente.
As caraterísticas mais
importantes do novo modelo foram:
Ø A
criação de uma instituição central, com autonomia técnica, administrativa e
financeira, que seria a única responsável pela implementação de planos,
programas e projetos e que seria capaz, entre outros aspectos, de assumir
compromissos financeiros perante os órgãos nacionais e internacionais de crédito.
Ø A transferência de toda a atribuição legal
para a exploração dos serviços para essa instituição.
Ø A
criação de um fundo rotativo, como mecanismo de caráter permanente para o
financiamento dos investimentos em saneamento básico.
O
Plano Nacional de Saneamento – PLANAS
O PLANASA foi, sem dúvida e,
em nossa opinião, a maior e a melhor experiência realizada no mundo, na época (1970-1980),
em matéria de desenvolvimento institucional no campo do saneamento básico.
“O censo de 1970, informava
que apenas 26,7 milhões de brasileiros, ou 50,4% da população urbana, eram
abastecidos com água potável e 10,1 milhões ou 20% servidos pela rede de
esgotos. Quinze anos depois - em 1985
- a Pesquisa Nacional de Domicílios do
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - assinalava que 82,8 milhões de brasileiros ou 87% da
população urbana eram abastecidos com água potável. O PLANASA, nesse período, havia conseguido
acrescentar à população abastecida, 56 milhões de pessoas - contingente maior
que a população da França”.[i]
Infelizmente e a partir de
então, a inflação e as persistentes crises econômicas mundiais que afetaram,
com maior rigor, os países em desenvolvimento, quebraram a espinha dorsal de
toda a estrutura funcional e de organização dos serviços públicos que, com
muito esforço, vinha sendo montada. Avanços significativos no campo das
comunicações, energia, saneamento e outros, perderam impulso, ficaram
estagnados e apresentaram resultados insignificantes.
Com a implementação, nos
últimos anos, de novos modelos de desenvolvimento dos países, com a revisão do
papel do estado, a liberação da economia e a promoção e incentivo da
participação da iniciativa privada em campos, anteriormente, exclusivos do
poder público, o setor de infraestrutura, o saneamento inclusive, tem
encontrado outras alternativas para dar sequência aos esforços para enfrentar e
superar as dificuldades e problemas e, dessa forma, encontrar definitiva
solução a suas grandes carências.
Esse é o cenário que, entre
outras consequências, traz consigo novos problemas e desafios a vencer.
Na sequência, apresentaremos e
comentaremos as características essenciais do macro modelo financeiro e
institucional do PLANASA, assim como do instrumental utilizado para a sua
execução, e as instituições nacionais e internacionais participantes.
[i] Trabalho apresentado, no Seminário sobre
Inovação e Desenvolvimento de Empresas de água Potável, realizado pelo Banco Mundial,
em S. Jose da Costa Rica, em dezembro de 1989.